Por Melania Maria Ramos de Amorim MD, PhD
Li com atenção a interessante matéria         do Guia do Bebê  sobre Parto em Casa. Efetivamente, a recente notícia         de que o  parto da modelo Gisele Bundchen foi assistido nos Estados Unidos          em sua própria residência, dentro da banheira, teve grande          repercussão na mídia e despertou grande interesse em diversas          mulheres, além de debate por diversas categorias profissionais.
Entretanto,  mesmo bem preparada, a matéria peca por apresentar apenas         o  ponto de vista de uma única obstetra, sem considerar a visão         de  diversos outros profissionais que podem participar da assistência          ao parto e, sobretudo, sem analisar a opinião das mulheres.
Como  obstetra, pesquisadora e integrante do Movimento de Humanização          do Parto no Brasil, não poderia deixar de contrapor a este ponto          de vista, digamos, “oficial”, por refletir a opinião         de grande  parte dos médicos-obstetras em nosso País, considerações          baseadas não em “achismos” ou receios, mas em evidências          científicas.
O parto em casa, conquanto seja uma modalidade  ainda pouco freqüente         no Brasil, representa uma realidade dentro  do modelo obstétrico de         diversos outros países, como a Holanda,  onde 40% dos partos são         assistidos em domicílio, dentro do  Sistema de Saúde. Mas vários         outros países europeus e até os EUA  contam com estatísticas         confiáveis pertinentes aos partos  atendidos em casa, e é impossível         falar em RISCOS ou SEGURANÇA  sem considerar os resultados dos diversos         estudos já publicados  sobre o tema.
Em 2005, chamou a atenção a publicação de um          interessante estudo analisando os desfechos de partos  domiciliares assistidos         por parteiras na América do Norte:  "Outcomes of planned home         births with certified professional  midwives: large prospective study in         North America"[http://bmj.bmjjournals.com/cgi/content/full/330/7505/1416?ehom].          O estudo incluiu 5418 mulheres. A taxa de transferência para  hospital         foi de 12%, com uma taxa de cesariana de 8, 3% em  primíparas e 1,6%         em multíparas.
A frequência de  intervenções foi muito baixa, correspondendo         a 4,7% de analgesia  peridural, 2,1% de episiotomias, 1% de fórceps,         0,6% de  vácuo-extrações e uma taxa global de 3,7% de         cesarianas. A taxa  de mortalidade perinatal (intraparto e neonatal) foi         de 1,7 por  1.000, semelhante à observada em partos de baixo risco         atendidos  em ambiente hospitalar. Não houve mortes maternas. O grau         de  satisfação foi elevado (97% das mães avaliadas se         declararam  muito satisfeitas). A conclusão deste estudo foi que os         partos  domiciliares assistidos por parteiras têm os mesmos resultados          perinatais que os partos hosp italares de baixo risco, com uma  frequência         bem mais baixa de intervenções médicas. Entretanto,          alguns críticos comentaram que o número de casos envolvidos          seria insuficiente para determinar a segurança do parto domiciliar          em termos de mortalidade materna e perinatal.
Seguiram-se  vários outros estudos, publicados em diversas regiões         do mundo,  comparando a morbidade e a mortalidade tanto materna como perinatal          entre partos domiciliares e hospitalares. A conclusão geral é          que o parto domiciliar NÃO envolve mais riscos para mães e          seus bebês, e cursa com vantagens diversas, relacionadas sobretudo          à expressiva redução de intervenções         e procedimentos. Partos  assistidos em casa têm menor risco de episiotomia,         de analgesia  de parto, de uso de fórceps ou vácuo-extrator,         de indicação de  cesárea e a taxa de transferência         hospitalar fica em torno de  12%. Destaca-se ainda o conforto e a satisfação         das usuárias,  que vivenciam uma experiência única e         transformadora em seu  próprio lar.
O estudo mais recente publicado no British  Journal of Obstetrics and Gynecology         (2009) analisou a  morbimortalidade perinatal em uma impressionante coorte         de  529.688 partos domiciliares ou hospitalares planejados em gestantes de          baixo-risco: Perinatal mortality and morbidity in a nationwide  cohort of         529,688 low-risk planned home and hospital births. [http://www3.interscience.wiley.com/journal/122323202/abstract?CRETRY=1&SRETRY=0].          Nesse estudo, mais de 300.000 mulheres planejaram dar à luz em  casa         enquanto pouco mais de 160.000 tinham a intenção de dar à          luz em hospital. Não houve diferenças significativas entre          partos domiciliares e hospitalares planejados em relação ao          risco de morte intrapa rto (0,69% VS. 1,37%), morte neonatal precoce  (0,78%         vs. 1,27% e admissão em unidade de cuidados intensivos  (0,86% VS.         1,16%). O estudo conclui que um parto domiciliar  planejado não aumenta         os riscos de mortalidade perinatal e  morbidade perinatal grave entre mulheres         de baixo-risco, dese  que o sistema de saúde facilite esta opção         através da  disponibilidade de parteiras treinadas e um bom sistema         de  referência e transporte.
Parteiras treinadas ou midwives, em  diversos países, são         aquelas profissionais que cursam em nível  superior o curso de Obstetrícia         e são treinadas para atender  partos de baixo-risco e, ao mesmo tempo,         desenvolvem habilidades  específicas para identificar os casos de         alto-risco,  providenciar suporte básico de vida em emergências,         tratar  potenciais complicações e referenciar ao hospital,         quando  necessário. Essas profissionais, como a que atendeu Gisele          Bundchen, estão aptas para prestar o atendimento à mãe         durante  todo o parto, bem como para assistir o bebê imediatamente         após o  nascimento e nas primeiras 24 horas de vida. Embora não         haja  necessidade de equipamentos sofisticados ou de UTI à porta da          casa da parturiente, o material básico de reanimação         neonatal é  providenciado pelas parteiras certificadas. Parteiras         também  podem atender em hospital, de forma independente ou associadas          co m médicos.
Uma revisão sistemática recente encontra-se  disponível         na Biblioteca Cochrane com o título de “Midwife-led  versus         other models of care for childbearing women” [http://www.cochrane.org/reviews/en/ab004667.html].          Esta revisão demonstra que um modelo de cuidado com parteiras  associa-se         com vários benefícios para mães e bebês, sem          efeitos adversos identificáveis. Os principais benefícios         são  redução de analgesia de parto, menor número         de episiotomias e  partos instrumentais, maior chance de a mulher ser atendida          durante o parto por uma parteira já conhecida, maior sensação         de  manter o controle durante o trabalho de parto, maior chance de ter um          parto vaginal espontâneo e de iniciar o aleitamento materno. A  revisão         conclui que se deveria oferecer à maioria das mulheres  (gestantes         de baixo-risco) a opção de ter gravidez e parto  assistidos         por parteiras.
Em resumo, as evidências  científicas disponíveis corroboram         a segurança e os efeitos  benéficos do parto domiciliar. Apenas         criticar e apontar  possíveis complicações, sem comprovar         as críticas com evidências  bem documentadas, publicadas em         revistas de forte impacto, não  pode ser mais aceito em um momento         da história em que os  cuidados de saúde devem se respaldar         não apenas na opinião do  profissional mas, ao contrário,         devem se embasar em evidências  científicas sólidas.         Este é o preceito básico do que se  convencionou chamar de         “Saúde Baseada em Evidências”,  correspondendo à         integração da experiência clínica individual          com as melhores evidências correntemente disponíveis e com          as características e expectativas dos pacientes”. Embora iniciado          na Medicina (“Medicina Baseada em Evidências”) esse novo          paradigma estende-se a todas as áreas e sub-áreas da Saúde.
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