No parto em casa, a mulher escolhe a forma como quer dar à luz e tem o apoio do parceiro
Ana Cristina Duarte é uma parteira. Mas não daquelas do tempo de nossas avós. Ela é ativista de um movimento que defende a opção pelo parto domiciliar planejado. Nele, mulheres em gravidez de baixo risco dão à luz em casa, na companhia de quem escolher. Não é utilizado nenhum tipo de medicamento para diminuir a dor, a não ser métodos naturais de analgesia, como água quente, massagens e técnicas de relaxamento e de respiração. O parto também não é induzido com a administração do hormônio ocitocina –e, por isso, dura entre oito e 12 horas em mães de primeira viagem. Tudo fora do ambiente hospitalar.
É exatamente o fato de não acontecer em um hospital que colocou a classe médica contra a prática. Enfermeiros e obstetras são legalmente habilitados para assistir partos em casa, mas o Conselho Federal de Medicina considera mais seguro que ele seja feito no hospital. O Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) chegou a vetar que médicos no Estado assistissem partos domiciliares e a pedir à entidade paulista –o Cremesp– a punição do médico obstetra Jorge Francisco Kuhn, que defendeu a opção pelo parto em casa em entrevista ao programa "Fantástico" (Globo), em junho. A instrução do Cremerj contra o parto domiciliar foi derrubada pela Justiça do Rio de Janeiro e levou ativistas a marchas em 16 pontos do país.
"Nossa visão é a de que o parto domiciliar não é aconselhável", diz o obstetra Mário Macoto, do Hospital das Clínicas da USP. "Isso porque existem alguns imprevistos. Por exemplo, o prolapso do cordão (quando o cordão sai antes), um período expulsivo muito prolongado, a retenção de placenta, um sangramento importante. E quando a mulher chega a nós, chegam duas vidas que precisam ser cuidadas. A da mãe e a do bebê", diz Macoto.
Kuhn não concorda que haja perigo aumentado nos casos de gravidez de baixo risco. "Assisti 100 partos domiciliares e nunca precisei levar ao hospital quando houve prolapso do cordão ou descolamento da placenta”, diz Kuhn, que se tornou um “vaginalista” convicto após um período de estudos e plantões na Universidade Livre de Berlim, entre 1990 e 1991.
"Em 15 desses casos, houve remoção para hospital. Mas isso aconteceu pelo desejo da mulher, seja porque o trabalho estava muito estafante, seja porque pediu para ser anestesiada. Em nenhum deles houve cesária". Segundo Kuhn, casos de emergência são de apenas 1%.
Foi exatamente uma cesária desnecessária que levou Ana Paula Duarte ao movimento pelo parto domiciliar planejado. "O médico era um figurão da USP, mas não tinha tempo para um parto normal", diz Duarte. Na segunda gravidez, ela procurou algum médico conhecido por fazer parto normal. Mas isso não é fácil no Brasil, o país com a maior porcentagem de cesárias no mundo, segundo a Unicef. Segundo dados do DataSUS, o número de cesáreas ultrapassou em 2009 o de partos normais –enquanto a OMS aconselhe que ocorra em apenas 15% dos casos.
Quando Ana Paula teve um parto natural, ele aconteceu em um hospital –um ambiente em que disse ter-se sentido sozinha, desamparada. Foi por isso que em 1999 começou a estudar e militar pelo parto humanizado. Tornou-se doula (uma pessoa que dá apoio emocional e físico para a parturiente) –e em 2008 se formou no curso de obstetrícia da Escola de Artes e Ciências Humanas da USP. Então, passou a assistir partos domiciliares e a enfrentar a oposição de parte da classe médica.
Meio-termo
Parto normal, natural, humanizado e domiciliar planejado. Todos esses tipos de parto são vaginais, e, como não envolvem uma cirurgia, têm risco de infecção hospitalar menor e recuperação mais rápida da mulher em relação à cesariana. Qual então a diferença entre eles?
O parto normal significa basicamente que é vaginal. Isso, no entanto, não significa que não haja intervenções médicas. Se a mulher sentir dores intensas, é aplicada anestesia. Para acelerar o parto, são administrados hormônios. Também é feita a episiotomia, caso necessário. Por outro lado, no parto natural, o papel do médico se resume a acompanhar o parto, e não induzi-lo.
Já o parto humanizado não é em si uma técnica, mas o controle das decisões sobre o parto pela mulher, e não pela equipe médica. Isso inclui a presença de acompanhantes, a escolha da posição em que se sentir mais confortável, a presença do bebê logo após o parto. Para isso acontecer sem pressão de tempo nem desconforto pelo ambiente hospitalar, alguns hospitais privados têm suítes de parto, e o SUS, as casas de parto.
Para Mário Macoto, o problema não é o "parto humanizado", mas o fato de o parto domiciliar não acontecer no hospital. "Nas condições em que vivemos, dificilmente a parturiente terá acesso da casa à sala do hospital em 10 ou 20 minutos."
Mas entre a ideia de um parto hospitalar humanizado e a prática existe ainda um abismo. São poucas as suítes de parto em hospitais privados e as casas de parto cobertas pelo SUS –em São Paulo são três na capital e nenhuma no interior.
Enquanto isso, discussão contra e a favor o parto domiciliar só esquenta. “Quando o médico se opõe ao parto domiciliar, baseia-se apenas em sua opinião, não em evidências científicas. O fato é que o médico é apenas um dos atores envolvidos no nascimento. Um ator com formação voltada à doença, não para a normalidade”, diz Ana Cristina Duarte.
Mas, afinal, como é um parto domiciliar planejado, em quais casos equipes de saúde o realizam e quais os seus riscos? Especialistas ouvidos pelo UOL Gravidez e Filhos respondem essas e outras perguntas a seguir.
A escolha
Uma vez interessada em um parto domiciliar planejado, a gestante e seu parceiro têm de procurar profissionais que ofereçam esse tipo de serviço: um obstetra ou enfermeiro obstetra, todos com qualificação formal para atender partos de baixo risco. Essa será a mesma pessoa que acompanhará o casal, desde o pré-natal até o pós-parto. Embora seja raro, médicos obstetras também podem fazer o parto domiciliar.
Para que possa atender em casa, esse profissional de saúde precisa ter bastante experiência acumulada. “Quando se formam, enfermeiras e obstetras ainda não estão preparados para assistir um parto domiciliar. Precisam obter muita experiência, o que ocorre integrando uma equipe ou trabalhando em hospital”, diz Nádia Narchi, coordenadora e professora do curso de obstetrícia da EACH-USP.
Segundo a enfermeira obstetra Priscila Colacioppo, no primeiro encontro, que dura por volta de duas horas, é explicado o que é o parto domiciliar planejado e suas condições. "É comum o parceiro estar meio ressabiado, mas o fato é que o homem é o nosso maior aliado no parto, quem mais compartilha. É o casal que dá à luz."
O pré-natal
Depois do primeiro contato com o profissional escolhido, começa o pré-natal, com sessões mensais. O especialista fará uma análise da história da saúde da mulher, de sua família, de sua gestação e de seus fatores de risco. Além disso, é avaliada a existência de um hospital com maternidade e UTI para mãe e bebê a, no máximo, 20 minutos do local do parto, para ser possível um "plano B".
É montado um planejamento, formando-se a equipe que atenderá a ela e sua família. Segundo Ana Cristina, o único profissional obrigatório é o obstetra ou enfermeiro obstetra ou médico obstetra, mas ter uma doula pode ajudar muito. “Ela tem treinamento para dar suporte emocional, o que ajuda bastante a mãe”, diz a obstetriz.
Em parceria com o profissional escolhido, a mãe vai montar o "plano B" para ser acionado em caso de emergência, com opções de médicos e hospitais. Também com auxílio da pessoa que fará seu parto em casa, a futura mãe ainda decide em quais situações deseja ser removida para um hospital.
As consultas mensais de pré-natal são feitas paralelamente pela pessoa que auxiliará no parto domiciliar e por um médico escolhido pela gestante. Além de acompanhar a evolução da gestação, o objetivo desses encontros é estabelecer um vínculo emocional da gestante com as pessoas que estarão com ela no momento do nascimento de seu bebê.
Chegou a hora
No caso de haver doula, é ela a primeira pessoa a ser contatada quando a mulher entra em trabalho de parto. Ela ajuda a parturiente a encontrar as melhores posições para o parto, formas de respirar e a auxilia com medidas naturais para aliviar a dor. Como o nascimento não será acelerado com a administração de ocitocina (hormônio que intensifica as contrações uterinas), sua duração varia de caso a caso.
Enquanto o bebê não nasce, a parturiente pode agir como quiser dentro de casa. “Pode ir ao chuveiro, caminhar um pouco, comer, beber, dormir, deitar com o parceiro, enquanto a equipe toda fica esperando, tentando não atrapalhar o casal”, fala Ana Cristina Duarte.
Quando aumentam as contrações, entra em cena o enfermeiro obstetra ou obstetra, que chega na casa com o porta-malas do carro cheio. “Trazemos materiais como equipamento para reanimação neonatal, hemorragia, sutura, anestesia local, sonar para ouvir o coração do bebê”, diz Ana Cristina.
Perto da hora de nascer, a equipe prepara um lugar para recepcionar o bebê. "Se ele nascer com necessidade de algum procedimento simples, tem um lugar aquecido com o material pronto para a emergência. Mas isso fica reservado, para que a mãe não precise ver”, diz a obstetriz.
Já a mulher faz o parto como preferir: pode ser em uma banqueta, sob o chuveiro, de cócoras, deitada. Quando o bebê nasce, ele é colocado no colo da mãe para ser amamentado, com mãe e filho ainda ligados pelo cordão umbilical.
Passada uma hora, com a placenta já expelida, é cortado o cordão. Feito isso, a pessoa responsável pelo parto examina o bebê, pesa, dá vitamina K para evitar hemorragia e pinga um colírio para evitar a conjuntivite do recém-nascido, problema comum em partos vaginais. Em duas ou três horas, a equipe vai embora, mas voltará para mais três visitas nos dez dias seguintes.
Quanto custa
Não há plano de saúde que cubra parto domiciliar. O que a mulher pode conseguir, no máximo, é que a empresa faça um reembolso. O preço dessa modalidade varia muito, dependendo da cidade onde acontece e dos profissionais envolvidos. “É comum fazer acordos, como permuta por serviços. Por exemplo, se a mãe for fotógrafa, pode ajudar a pagar com serviços de fotografia. Mas, em média, o custo varia de R$ 2.000 a R$ 5.000 pelo parto, mais as visitas pós-parto”, diz Ana Cristina Duarte.
Riscos
Os especialistas têm opiniões divergentes sobre os riscos do parto domiciliar, mas mesmo entre os favoráveis três pontos são unanimidade –só pode ocorrer se a mulher tiver um bom quadro clínico, se a gravidez for de baixo risco e se for viável um plano B. Entre os fatores de exclusão estão gravidez de gêmeos, mãe com problemas de saúde (doenças como diabetes, hipertensão crônica e infecções), bebê com alguma anomalia ou fora da posição correta e parto prematuro.
ESTUDOS PELO MUNDO
No Canadá, uma pesquisa feita pelaUniversidade British Columbia, de 2000 a 2004, analisou nascimentos realizados de três formas: partos domiciliares planejados (2.889), partos planejados em hospital com parturientes nas mesmas condições exigidas para um parto domiciliar (4.752) e partos com participação médica (5.331).
A taxa de mortes perinatais por mil nascimentos foi de 0,35 nos partos domiciliares, 0,57 no hospital com parteiras e 0,64 entre aqueles feitos por médicos.
Em 2000, outro estudo realizado nosEstados Unidos e no Canadá levantou informações sobre 5.418 mulheres que escolheram fazer seus partos com obstetras qualificadas.
A taxa de morte perinatal foi de 1,7 por mil nascimentos, semelhante ao que acontecia em partos de baixo risco atendidos em hospital e não houve morte materna.
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