Escolha arriscada
O número de cesarianas tem crescido exponencialmente no Brasil. Mas essa é a melhor maneira de trazer um bebê ao mundo? Médicos e pesquisadores apontam riscos e benefícios dessa cirurgia e do parto normal tanto para a mãe quanto para o recém-nascido.
Por: Thaís Fernandes
Publicado em 14/07/2013 | Atualizado em 17/07/2013
Qual a forma mais segura de dar à luz? Especialistas concordam que o parto normal é o mais indicado em gestações de baixo risco. (foto: Sxc.hu)
A chegada de um filho ao mundo é um momento muitas vezes cercado de dúvidas. Como deve ser o parto? É melhor que seja normal ou cesariana? Esse é um assunto que mobiliza não apenas os pais, mas também profissionais e gestores da área de saúde preocupados em oferecer a melhor assistência possível à mulher e ao recém-nascido. Mas, afinal, o que a ciência diz sobre os riscos e benefícios do parto normal e da cesariana tanto para a mãe quanto para o bebê?
Hoje parece haver um consenso entre associações médicas brasileiras, órgãos governamentais, agências internacionais de saúde e pesquisadores da área de que o parto normal deve ser a primeira opção para as gestantes nos casos de baixo risco, que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), representam de 70% a 80% de todas as gestações. No entanto, nossa realidade mostra uma tendência bem diferente: mais da metade dos cerca de 3 milhões de bebês nascidos por ano no Brasil vêm ao mundo por meio de cesariana.
A realização desse tipo de cirurgia vem aumentando sistematicamente no Brasil nas últimas décadas. Segundo análise do Ministério da Saúde, as taxas médias de cesarianas em alguns hospitais vinculados ao Instituto Nacional de Assistência Médica e da Previdência Social (Inamps) em 1970 eram de 14,6%. Em 1994, o índice de cesarianas no país já chegava aos 32% e atingiu a marca de 52% em 2010.
“Hoje o Brasil é o campeão mundial nos índices de cesarianas, tendo atingido 55,4% do total de partos em 2012”, relata a ginecologista e obstetra Maria Helena Bastos, consultora nacional em saúde da mulher da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). Se considerarmos apenas os hospitais privados, essa taxa é ainda maior: varia de 80% a 90%. “Mais da metade dos bebês neste país nascem de cesariana e isso é alarmante em termos de saúde pública.”
Segundo a OMS, as taxas mais apropriadas de cesarianas estariam entre 10% e 15%
Em nível mundial, o cenário é bastante diverso. Assim como o Brasil, a China e a ilha de Chipre (Europa) têm índices de cesarianas da ordem de 50%. Nos Estados Unidos, as taxas atingem 33% e na Inglaterra ficam em torno de 24%. Já nos países nórdicos, estão abaixo de 15%. Dentro da América Latina também há um desequilíbrio: no México, o índice de cesarianas é de 45%; no Paraguai e Uruguai, 33%; no Chile, 30%; e em Cuba, 28%; enquanto na Guatemala e no Haiti as taxas são de 16% e 6%, respectivamente.
Segundo a OMS, as taxas mais apropriadas de cesarianas estariam entre 10% e 15%. Índices inferiores, como os de muitos países africanos e alguns da Ásia, estão associados a um aumento na mortalidade materna, neonatal (nas quatro primeiras semanas de vida) e infantil e podem indicar dificuldades de acesso aos serviços. Da mesma forma, percentuais maiores que 15%, que ocorrem principalmente nos países da América Latina e do Caribe, também estão relacionados a aumento das taxas de mortalidade.
O obstetra Paulo Nowak, da Universidade Federal de São Paulo e membro da diretoria da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (Sogesp), pondera que é difícil definir uma taxa ideal de cesarianas, pois é preciso considerar as diferentes características de cada região.
“No Brasil, por exemplo, as taxas recomendadas provavelmente não seriam nacionais. Além disso, a idade materna é um fator importante e o Brasil tem uma das populações de gestantes com a maior média de idade do mundo”, argumenta. Bastos discorda: “Não há justificativa para qualquer região ter taxas de cesarianas maiores do que 15%.”
Bebês em risco
O uso indiscriminado de cesarianas tem sido muito associado ao aumento da prematuridade e da mortalidade neonatal. Em 2010, 7,8% dos bebês nascidos no Brasil por meio dessa cirurgia eram prematuros, enquanto o índice em partos normais foi de 6,4%. No Rio de Janeiro, observou-se aumento de 70% nas taxas de prematuridade nos partos cesáreos entre 1996 e 2006, enquanto nos partos vaginais houve redução de 2,4%.
O tempo de gestação considerado normal varia de 37 a 42 semanas. Apenas em cerca de 5% das mulheres a gravidez se estende além da 42ª semana. Em gestações com mais de 41 semanas, alguns estudos apontam aumento de risco de mortalidade perinatal, anormalidades na frequência cardíaca do feto durante o trabalho de parto,macrossomia (bebês com mais de 4,5 kg) e realização de cesariana. Nesses casos,muitos estudos têm recomendado a indução do trabalho de parto.
Segundo Maria do Carmo Leal, epidemiologista da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz e coordenadora do projeto Nascer no Brasil, mesmo quando a cesariana é feita após 37 semanas de gestação, o bebê pode nascer com traços de prematuridade, como a falta de amadurecimento do pulmão e de preparação da pele para o ambiente externo.
Mesmo quando a cesariana é feita após 37 semanas de gestação, o bebê pode nascer com traços de prematuridade
Vários trabalhos científicos têm apontado riscos da cesariana para o bebê. Umaanálise de 54 artigos publicados entre 1990 e 2005 identificou maior probabilidade de complicações respiratórias neonatais em cesarianas realizadas sem motivo médico (eletivas). Esse risco diminui à medida que a idade gestacional aumenta, mas está presente mesmo depois da 37ª semana de gestação.
Nesse sentido, um estudo realizado na Dinamarca entre 1998 e 2006 mostrou que bebês nascidos por cesariana eletiva entre a 37ª e a 39ª semanas de gestação têm duas a quatro vezes mais chances de desenvolver transtornos respiratórios quando comparados aos nascidos por parto vaginal.
Outra pesquisa, realizada na Austrália de 1999 a 2002, concluiu que a probabilidade de ser admitido em UTI neonatal é especialmente alta entre os filhos de mulheres submetidas a cesariana eletiva e chega a ser 12 vezes maior quando a cirurgia é feita com 37 semanas de gestação, 7,5 vezes maior com 38 semanas e 2,9 vezes maior com 39 semanas. Além disso, há evidências de que o contato com a flora bacteriana vaginal faz o bebê ter menor risco de desenvolver alergias alimentares e respiratórias.
Mães em risco
Mas os perigos da cesariana não se limitam aos bebês. Um estudo com mais de 97 mil partos em oito países da América Latina apontou que, quando o bebê está em posição cefálica, a cesariana aumenta não apenas os riscos de mortalidade neonatal – que foi associada a baixo peso do recém-nascido –, mas também de mortalidade materna, em comparação com partos normais. Quando o bebê está ‘sentado’, os riscos globais são menores com a adoção da cesariana. Já as chances de morte do feto durante o parto – algo muito raro em todos os casos (menos de 0,5%) – foram menores nas cesarianas.
Em relação às mulheres especificamente, esse estudo também verificou maior ocorrência de internação em terapia intensiva, transfusão de sangue, retirada do útero e uso de antibióticos, aliados a menor frequência e duração da amamentação, após a realização de cesáreas. Grande parte dos resultados negativos associados à cesariana apontados nessa pesquisa foi observada ainda em estudo com mais de 286 mil partos conduzido pela OMS em 24 países da África, Ásia e Américas.
“As cesarianas acarretam um risco quatro vezes maior de infecção e três vezes maior de mortalidade materna e aumentam as chances de prematuridade e mortalidade neonatal e de morte fetal intrauterina na gestação posterior, além de a recuperação da mãe ser mais difícil e de o início da amamentação ser mais demorado”, resume Maria Helena Bastos.
A cirurgia cesariana também pode trazer outros prejuízos à saúde reprodutiva da mulher. Segundo Paulo Nowak, a cicatriz no útero gera alguns riscos, como a inserção mais baixa da placenta, o que aumenta as chances de sangramento e parto prematuro em gestações futuras. “A cesárea se torna mais difícil a cada nova cirurgia. A paciente que quer ter muitos filhos deve ser muito estimulada a ter parto normal.” Maria do Carmo Leal acrescenta: “A mulher que fez cesáreas repetidas tem maior risco, embora seja baixo, de ruptura uterina na gravidez subsequente.”
Em relação ao parto vaginal, há maior chance de as mulheres ficarem com incontinência urinária
Além dos riscos desnecessários tanto para a mãe quanto para o bebê, o uso indiscriminado de cesarianas gera gastos adicionais para os sistemas de saúde público e privado. Segundo relatório da OMS publicado em 2010, o custo mundial do excesso de cesáreas é estimado em 2,32 bilhões de dólares, enquanto promover a realização de cesáreas necessárias em países onde não há acesso a essa cirurgia custaria apenas 432 milhões de dólares.
Em relação aos riscos do parto vaginal, Nowak destaca que a literatura médica descreve maior chance de as mulheres ficarem com incontinência urinária nesses casos. Uma pesquisa publicada em 2012 mostrou que, em comparação com gestantes que passaram por cesarianas, aquelas que tiveram parto normal possuem 67% mais chances de ter incontinência urinária até 20 anos após o nascimento de seus filhos e maior probabilidade de que essa condição seja duradoura. O já citadoestudo feito em oito países da América Latina apontou apenas maior risco de laceração do períneo (região entre a vagina e o ânus) em partos normais.
O representante da Sogesp ressalta que a cesariana, quando necessária, é muito importante para salvar mães e bebês. “Trata-se de uma cirurgia segura; as taxas de complicação são baixas”, diz. “No entanto, o parto normal é muito menos invasivo, gera menos desconforto e normalmente tem metade do sangramento da cesariana, que é de cerca de um litro de sangue”, reforça. “Portanto, o parto normal deveria ser a primeira opção nos casos de gravidez sem intercorrências.”
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